Crônica: O Misterioso Livro da Capa Branca
Na extremidade da banca, um
garotinho franzino e pálido, atentamente, observava os livros, não sei ao certo o
que ali fazia, mas ali estava vendo títulos que não se relacionavam com sua
idade, mas quem era eu para julgá-lo? Provavelmente tinha ido com algum
familiar que estava presente no evento e certamente tinha crescido em meio aos
teóricos da educação. Nesse ínterim, ele se dirigiu para outra banca e resolvi
observar o que tinha chamado a sua atenção, não permitiria que alguém o
recriminasse ou o enxotasse por ser criança, ficaria atento ao tratamento
que dariam a ele. A maioria dos livros da outra banca eram antigos, possuíam as
bordas amareladas, sujas e com sútil cheiro de usado, um alérgico naquele lugar
poderia ir a óbito, mas nada impede um ávido leitor, nem mesmo sua saúde
respiratória.
Naquele vasto acervo de décadas, ele
parecia não se incomodar com tudo aquilo, ao contrário, parecia familiarizado. De
repente, mostrou-se estranhamente hipnotizado ao ver uma coleção de livros, todos
com capa de couro branco com ilustração dourada e descrição em vermelho na lateral. Enquanto
passava os dedos na ilustração, seus olhos brilhavam ao contemplar o livro que assumia
o mesmo tom pálido dele, por outro lado, o vendedor parecia prestativo em
atendê-lo, por minha vez, apenas observava no que aquilo daria e de certa
forma, causou-me espanto a forma como ele folheava a antiguidade, mas minha real
preocupação era voltar para a sala, pois
tinha sido escolhido o relator e o intervalo estava encerrando.
Enquanto fingia interesse naquela antiquaria cheia de marcas de dedos e do tempo, o vendedor concluía a venda
de um exemplar daquela coleção para o garotinho que ainda parecia estar
em transe com a obra em suas mãos. O momento foi interrompido por um colega que
me chamou para irmos para a sala, segundos o suficiente para perder de vista o
rapazinho com seu precioso achado no sebo. Todavia, antes de retornar à sala, tomaria
mais um copinho da café, comeria uns biscoitos e um gole de água para reforçar
as energias.
O dia havia sido literalmente
exaustivo e produtivo, no início da noite, centenas de pessoas se aglomeravam
em frente ao Centro de Convenções Paulo Freire. Não seria nada fácil conseguir
um uber para voltar à pousada, tudo o que queria naquele momento era
tomar um banho e me jogar na cama. O bom era saber que a pousada estava
localizada no Centro Histórico e gostava de contemplar os casarões em ruínas,
imaginar as potenciais histórias e pessoas que viviam naquele lugar, pois traziam
em sua estrutura as marcas da vida dos que por ali passaram, mas para isso,
ainda precisava conseguir chegar ao meu destino... Finalmente um motorista
aceitou a solicitação de corrida.
O quarto escolhido na pousada me
dava uma visão panorâmica da rua Sete de Setembro e dos casarões que estavam em
frente. O telhado de alguns estavam tomados pelo mato, a tinta das paredes
desbotavam e a ferrugem das janelas se apresentavam sem sutileza. Algumas
portas e janelas eram de vidro e aquilo me causava a estranha sensação de ter
alguém por ali, mas sabia que não passava de um processo de imaginação, pois o
susto dava-se pelo fato de que em alguns momentos vi o meu reflexo, nada mais além
disso. Era melhor pensar assim.
A noite chegou e seria melhor fazer
uma revisão do material do dia seguinte, pois a querida professora tinha
deixado dever de casa. Por um momento, me senti um nobre da época colonial,
afinal, estava em uma varanda de um casarão e prestes a realizar uma leitura, se
bem que não seria algo literário. Ao abrir a mochila, meu rosto fica pálido e
sinto meu corpo paralisado, me deparo assustado com o livro da capa branca. O
dourado da ilustração da capa refletia em meus olhos, causando-me vertigem
e confusão com aquela situação,
tratava-se de um exemplar da coleção de Jorge Amado, ‘Dona Flor e seus dois maridos’! Tomo o exemplar em
minhas mãos, começo a folhear e percebo que foi publicado em 1976, vou até a extremidade da
varanda e meu coração dispara quando vejo não a mim, mas o pálido menino refletido no vidro do casarão
em frente segurando o livro em mãos. O frio do medo, o prazer da leitura e a memória do pálido
livro e da brancura do menino se fazem vividos naquele instante. Li, tentei esquecer
o que aconteceu e dormi.
😻😻 despertando a nossa curiosidade para ler essa obra.
ResponderExcluirTenho deixado os livros um pouco de lado nos últimos meses ,mas,me deu uma vontade louca de procurar um agora .Parabéns.
ResponderExcluirTexto excelente, me senti dentro da história em alguns momentos. Parabéns!
ResponderExcluirUau, esse menininho me deixou curioso para saber o desfecho dessa história 🥺
ResponderExcluirPor um momento, tive a sensação de ser uma personagem da narrativa. Aquela colega do cafezinho, e juntos comentaríamos fácil o episódio. Projetei-me para memórias, lembranças, saudades de um tempo que éramos “meninos” curiosos nos aventurando na vida acadêmica. Por tantos momentos, a palidez, o sono, o medo nos rodearam e dormíamos. Hoje, uma recordação confortável. Parabéns, meu amigo. Por mais textos.💙
ResponderExcluirNarrativa excelente 😍
ResponderExcluirTexto maravilhoso!!!
ResponderExcluirconsigo capturar as emoções, observações e pensamentos à medida que o interesse do garotinho pelos livros de capa branca aflora. A narrativa é rica em detalhes e sensações, permitindo que eu, como leitora, me envolva na experiência descrita. Parabéns !
ResponderExcluirRespeite uma narrativa. Capaz de deixar o leitor envolto em cada detalhe. Parabéns!
ResponderExcluirProfessor Rogério, sempre cativante!
ResponderExcluir