Artigo "A Norma Culta e a Norma-Padrão: Discutindo Conceitos"

 


         O artigo "A norma Culta e a Norma-Padrão: Discutindo Conceitos" faz parte de um capítulo da dissertação de mestrado (LINK): "As vozes do verbo : um estudo semântico e sintático numa turma do oitavo ano do ensino fundamental".

        Antes de iniciar a discussão, torna-se pertinente tratar acerca do que entende-se por norma linguística. Conforme Antunes (2007), norma linguística possui dois conceitos: no primeiro, assume o sentido de normalidade, no segundo sentido, o de normatividade. 

    Para Antunes (2007), o sentido de normalidade trata-se de algo regular, comumente usado pelas pessoas, sendo assim, de uso preferencial e identificável em dada comunidade de falantes. Em contrapartida, a norma linguística como normatividade, conforme Antunes (2007, p. 86) trata-se de um uso “segundo um parâmetro legitimado”, nesse caso, assume os paradigmas dos cânones gramaticais, que definem o que deve ser de uso em relação à língua.

    Embora, aparentemente, seja uma concepção simples, conforme Faraco (2008, p. 39) uma comunidade pode apresentar diversas normas, visto que isso relaciona-se com a heterogeneidade das relações sociais que compõem uma comunidade.

Segundo Faraco (2008):

Em cada uma dessas comunidades, costuma haver modos peculiares de falar (ou seja, há normas específicas) e o comportamento normal do falante é variar sua fala de acordo com a comunidade de prática em que ele/ela se encontra. É parte do repertório linguístico de cada falante um senso de adequação, ou seja, ele/ela acomoda seu modo de falar às práticas correntes em cada uma das comunidades de prática que pertence. Por isso, se diz que cada falante é um camaleão linguístico (FARACO, 2008, p. 40). 

    Conforme Antunes (2007) e Faraco (2008), de modo geral, a concepção de normalidade dá-se pela ocorrência do uso de regras que são usuais de uma comunidade. Sendo assim, de acordo com Faraco (2008), essas normas são um fator de identificação do grupo, o que inclui o valor de pertencimento que corresponde a características especificas de cada comunidade. 

    Nesse aspecto, Faraco (2008, p. 43) ressalta o fato de o grupo de falantes não se restringir a uma forma linguística determinada, visto que, em sua formação há “um agregado de valores socioculturais articulados com aquelas formas”. Portanto, para o autor, o falante pode adequar-se ao grupo que participa, assim como pode surgir o desejo de participar de outro grupo, e assim, por motivações externas, buscar o domínio de uma norma que não seja a de seu grupo. Nesse viés, em relação à diversidade da comunidade brasileira, Faraco (2008) ressalta que para cada comunidade, haverá normas específicas, embora um mesmo falante pode ter domínio das normas de comunidades distintas. 

Nesse contexto, em que cada comunidade possui uma norma linguística que corresponde ao aspecto de normalidade, é de conhecimento dos falantes uma norma adjetivada de culta.  Nesse caso, segundo Antunes (2007, p. 87), a norma culta assume um viés ideológico em que “aqueles que não a adotam são os incultos, não têm cultura”, ou seja, nessa perspectiva, ocorre uma discriminação atribuída aos falantes de classes sociais menos favorecidas, principalmente pela distinção assim imposta entre uma norma culta, versus uma norma popular. Nesse caso, Antunes (2007) ressalta:

Sabemos que todos somos cultos ou temos cultura, como defende a antropologia, no sentido de que criamos, ao longo da história, nossas formas de vida, nossas representações e manifestações simbólicas, presentes nas mais triviais atividades do cotidiano, inclusive naquelas atividades ligadas ao uso da linguagem falada e escrita. É salutar, portanto, que estejamos atentos ao risco de restringir o uso do termo culto àqueles itens vinculados aos grupos sociais mais favorecidos (ANTUNES, 2007, p. 87-88).

    O status social conferido à norma culta, segundo Faraco (2008, p. 74) ocorreu não pelas suas propriedades gramaticais, mas devido a um processo sócio-histórico em que se agregou valores. De acordo com os dados coletados pelo projeto NURC (Norma Linguística Urbana Culta), Faraco (2008, p. 49) informa que a norma culta falada, identifica-se com a linguagem urbana comum, nesse caso, corresponde ao “uso corrente entre falantes urbanos com escolaridade superior completa, em situações monitoradas”. Sendo assim, de acordo com os critérios do NURC, a norma culta é a variedade que encontra-se no ponto mais próximo do modelo dos três contínua , do urbano, do letramento e das situações de monitoramento.

    Nesse aspecto, para Faraco (2008, p. 49), no Brasil, dado a parcela mínima de uma população adulta com nível superior, a norma culta não estaria desvencilhada de um viés aristocrático, visto que é a linguagem urbana comum o que define de fato uma norma culta na fala, que por sua vez, é a detentora da hegemonia nos meios de comunicação.

    Embora haja uma estreita relação entre a norma culta e a linguagem urbana comum, segundo Faraco (2008, p. 52), há uma perceptível distinção entre a norma culta falada e a norma escrita.  Sendo que, isso ocorre devido ao fato de que há fenômenos que ocorrem na fala culta, mas que não manifestam-se na norma culta escrita, sendo até mesmo alvo de críticas, caso ocorra. No entanto, conforme o autor, essa alternância, acontece pelo fato de ocorrer uma adequação às situações que exigem um monitoramento em relação ao uso.

    Acerca dessa questão, Antunes (2007, 89) afirma que “a norma culta é requisitada mais pelo caráter de formalidade da comunicação do que pelo fato de ser ela falada ou escrita”. Assim, o fato de o acesso à produção escrita ser restrito a uma minoria que tem aceso a esse bem cultural, as pessoas menos favorecidas economicamente, consequentemente, são as que ficam à margem das informações e dos meios de produção escrita. 

    Nesse cenário, Antunes (2007) ressalta a desvantagem existente para os menos favorecidos, visto que, por estarem inseridos num contexto social que exige mais o uso informal da fala, consequentemente, a norma culta escrita é menos exigida para esse grupo, o que configura para a autora como uma desvantagem linguística.  Nesse aspecto, segundo Antunes (2007):

Não é por acaso também que, no imaginário social, a norma culta representa uma marca de excelência ou, pelo menos, da boa qualidade de uso da língua; quer dizer, instala-se a vinculação entre a boa linguagem e a classe social de maior prestígio. Consequentemente, essa norma culta é a norma prestigiada, e a norma estigmatizada é exatamente a norma da classe menos favorecida (ANTUNES, 2007, p. 90). [grifo da autora] 

    Geralmente, norma culta e norma-padrão são concebidas como equivalentes, assumindo a ideia e uma língua reguladora, sendo assim a própria língua, enquanto que as demais manifestações linguísticas são apenas variedades. No entanto, Faraco (2008, p. 75) discute essa questão ao apresentar que, enquanto a norma culta é uma variedade que os letrados fazem uso em práticas monitoradas de fala e escrita, a norma-padrão não pode ser classificada como uma variedade da língua, pois seu surgimento deu-se por meio de um processo sócio histórico com o intento de uniformizar a língua.

    Nesse aspecto, Faraco (2008, p. 74-75) esboça o cenário histórico do processo de formação da norma-padrão, que ocorreu na Europa nos fins do século XV, em circunstância da necessidade de uma unidade linguística que alcançasse os Estados Centrais. O perfil da sociedade feudal, como “os poucos vínculos de comunicação para fora dos limites regionais”, favorecia o surgimento de uma grande diversidade linguística. Nesse contexto, emergiu um projeto padronizador, que estabelecesse um padrão de língua. Sendo assim, conforme Faraco (2008):

[...] as gramáticas e os dicionários adquiriram, então, certa força coercitiva. Eles passaram a ser aceitos como instrumentos de medida de comportamento. Criou-se uma expectativa forte de que a fala e a escrita formais se conformassem ao que estava neles estipulado (FARACO, 2008, p. 76).

     Segundo Faraco (2008, p.76), a normatividade atribuída aos dicionários e à gramática decorre do fato de que no projeto padronizador da língua na Europa, a variedade de língua usada como referência, de modo geral, estava próxima da norma culta praticada na época pela aristocracia, sendo os encarregados do trabalho, homens letrados. Logo, os dicionários e gramáticas, mais que um trabalho de descrição da língua, tornaram-se instrumentos reguladores para os falantes. 

    A norma-padrão, conforme apresenta Antunes (2007, p. 94), corresponde a uma tentativa da comunidade letrada de num determinado período da história brasileira, de assegurar uma uniformidade linguística. Nesse caso, seria uma forma padrão que facilitaria a interação pública, propondo “que se fale a mesma língua”. No entanto, conforme a autora, assumiu uma identidade conservadora, distante das características linguísticas locais e regionais. Nesse caso, assumiu uma definição que corresponde à norma culta ideal , no caso, “regulada pelo que a classe social de prestígio ou certos órgãos oficiais estipularam como sendo o melhor uso da língua”. Sendo assim, conforme Antunes (2007):

Os que ficam de fora do padrão não são apenas diferenciados; são também inferiorizados, desprestigiados, e as mudanças provocadas pelo próprio fluxo natural da língua são tidas como sinais de decadência. Como tudo o que diz respeito à língua e a seu uso, a norma-padrão também não escapa às artimanhas das ideologias que rondam o uso da linguagem (ANTUNES, 2007, p. 94). [grifo da autora] 

    Em relação ao Brasil, Faraco (2008, p. 82) é enfático ao esclarecer que o objetivo do projeto da norma-padrão era o de combater as variedades do português popular, nessa perspectiva, o autor diz:

O projeto da norma-padrão no Brasil teve, então, como objetivo fundamental, [...], combater as variedades do português popular. Se no século XVIII, com O Diretório dos índios, se buscou implantar uma política que visava calar as línguas indígenas, em especial a chamada língua geral, no século XIX, a intenção era calar as variedades rurais e (progressivamente) rurbanas. Nesse afã, os formuladores e defensores da norma-padrão se opuseram com igual furor às características das variedades populares e às das variedades cultas faladas aqui. O excessivo artificialismo do padrão que estipularam impediu, porém, que ele se estabelecesse efetivamente entre nós (FARACO, 2008, p. 82).

    Conforme visto em Antunes (2007) e Faraco (2008), o ideal segundo uma norma-padrão, desencadeou num processo regulador e marginalizador das variedades. Nessa perspectiva, Antunes (2007, p. 95) afirma que “o fenômeno da variação das normas linguísticas é, portanto, um fenômeno inerente à própria natureza das línguas”. Contudo, para Antunes (2007), devido à projeção de uma língua com base numa norma-padrão, a variação linguística assumiu o estigma de uma variedade associada ao erro e à decadência da língua. 

    Levando-se em consideração esses aspectos, entendemos que a norma culta está relacionada com a linguagem urbana comum, no caso, no uso de falantes que possuem formação superior e que usam de maior rigor em situações que exigem o monitoramento da fala e da escrita, sendo que, possuem também a hegemonia dos meios de comunicação. Nesse aspecto, os grupos menos favorecidos e que não têm acesso aos bens de comunicação escrita, dificilmente realizam a monitoração para falar e escrever. Por isso, faz-se necessário que a escola atente para as questões mencionadas, a fim de possibilitar aos alunos o domínio da norma-padrão, para que possam compreender o uso em situações comunicativas de monitoramento, no entanto, sem marginalizar as demais variedades linguísticas.

Se você gostou do assunto, assista então o Minicurso - Norma culta brasileira, elaborado pela editora Parábola, disponível no Youtube e apresentado por Faraco, autor do livro "Norma culta brasileira, desatando alguns nós".





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