Monólogo "Sonho Literário"
Meus sonhos
são como terríveis pesadelos literários. Tenho comigo um texto corrosivo,
expressão das camadas mais obscuras da perversão humana. Lembro-me do dia que
brotara e de sua semeadura: caminhava eu por um vale gélido, e sentia medo de
estar sozinho entre criaturas desconhecidas, sem alma, desprovidas de bondade,
desejosas de meu sangue que pulsava intimidado por aquela estranha situação.
Afirmo que não senti a presença de nenhum ser vivo naquele instante, e descrevo
que as árvores eram numerosas, secas, vazias. Então, ouvi gemidos sofridos de
almas perturbadas, gritos, risos de feiticeiras. Não consegui continuar meu
percurso, meu corpo estava paralisado, pensei na morte, pensei nos poetas da
noite: marginalizados, boêmios, necrófagos, embriagados, pensei em Sir Lord
Byron, Edgar Allan Poe. Ouvi então - um que dizia: Poetas, amanhã no meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa e cantai
nela os amores da vida esperançosa. Era o jovem Álvares de Azevedo que
deixara esta terra em meio ao sofrimento. Temi, e assim, desejei morrer.
Não foi assim
o meu fim. Atrevi-me a continuar andando, ouvindo canto de corvos e canto de
morte. E quando pensei que estava tudo acabado, já me sentindo um
ultrarromântico, vi uma taverna - passei uma noite, ouvi histórias absurdas que
me fascinaram, mas foi ardendo em chamas como um anjo violento entre uma
abertura cruenta das labaredas do fogo do inferno que amei ardentemente. E
assim, de um vale sem vida, passei a deitar-me e revolver-me debaixo de lençóis
amorosos, e conheci o amor carnal, íntimo e humano. Descrevendo com minúcia a
patologia humana vi que eu estava sujeito ao ambiente que habitava, passei a
frequentar festas burguesas, hipócritas, sociais, urbanas, e vi no olhar de
Capitu o adultério na mente de Casmurro. Em pensar que eu vivi ali, num
terrível ninho de vermes, um Cortiço tendencioso.
Mas foi numa
semana que ouvindo o coaxo dos sapos de Manuel Bandeira que alegrei meu coração
já tão dorido de minhas experiências passadas, e pude usufruir de uma liberdade
que jamais pensei em desfrutar, pois antes, no parnaso grego, conheci os amores
das musas do deus Apolo. Amei a poesia formal, descritiva e métrica. E numa
tríade, os sonetos de tão ricos e exuberantes eram vazios, sem significado para
as minhas paixões. Pois sou poeta de amores, de carne e osso, que transcende
entre as belezas de uma escrita trabalhada, refinada, mas não puramente de arte
pela arte.
E eis-me aqui,
mergulhando entre palavras que me garantem um sonho literário, que me aflige.
Quisera eu não amar tanto assim, mas este vício leva-me a mundos fantásticos. E
quando estou em silêncio minha mente trabalha arduamente, analisando as frases
e a linguagem que nos é oferecido. Uma adrenalina percorre minhas veias levando-me
das mais pobres às mais ricas rimas, e por meio de crônicas, contos, romances
vejo nitidamente aquilo que está oculto. Já não conseguindo distinguir o real e
a realidade da fantasia. De certo, se fores para queimar-me vivo por meus
devaneios, fazei, mas lancem nesta fogueira os livros que li, para que eu tenha
a certeza que palavras não sufocam, ideias não são escondidas, mas o saber é a
arma contra a ignorância e que por ser tão fatal para alguns deve ser
destruída. Por isso faço da literatura não um grito, muito menos uma utopia
ufanista, mas um manifesto corrosivo. Acordo deste sonho fantástico, literário,
vislumbrando uma visão real da humanidade.
Rogério Batista
a humanidade é desumana como disse o poeta Renato Russo mas se pode viver com Italo Calvino;"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço"
ResponderExcluirbjs meu anjo
Texto perfeito. Por um momento me reportei a nossa inesquecível 1 turma de letras. As aulas de Literatura, você reuniu os gêneros literários e seus maiores nomes com verdadeira maestria. Continue nos presenteando com essas verdadeiras obras!
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