Conto "O Fim do Mundo da Servidora Pública "
O despertador marcava
exatamente 6:30 minutos, o toque musical era
infernalmente proposital, afinal,
apenas um som muito desagradável a motivava para levantar da cama. Mas naquela
vazia manhã, nem mesmo o despertador a incomodava, pois estava reflexiva demais.
Porém, sabia de suas obrigações, e levantou-se vazia, mas muito vazia mesmo.
Estava inconformada com o que aconteceu na noite anterior, melhor, com o que
não aconteceu, enfim o mundo não acabou, e estava profundamente decepcionada
Francimara Silva,
funcionária pública, 34 anos, solteira, sem simpatia, mulher amarga,
daquelas que todos fazem silêncio quando chegam, não por medo, mas devido sua
introspecção tão negativa que suas palavras soavam como ruídos agressivos aos
ouvidos.
Seu trabalho era simples,
mas muito importante, era atendente do simpático Dr. Jean Félix, marcava as
consultas, organizava a fila, dava prioridade àqueles que realmente precisavam.
Um dos motivos para ser considerada tão chata, era o de fazer tudo como mandava
a lei, petições de terceiros oportunistas que não gostavam de enfrentar a fila,
não tinha vez com ela. Estava satisfeita com sua vida, do jeitinho que era, sem
sabor algum, sem namorado algum, sem festa alguma, salvo, festinha de colega de
trabalho, confraternização e aqui e acolá um evento religioso, mas tudo isto
como breves obrigações sociais, da maneira mais superficial possível.
A chamavam de Mara, não de
forma carinhosa, era uma referência às aguas amargas que proliferava. Como todo
santo lugar, assim é o local de trabalho, há aquela pessoa especial que
conseguem conviver com todo tipo de gente, até as mais perniciosas. Francimara
tinha seus defeitos em excesso é verdade, mas como gostava da amizade de
Caroline.
Inteligente como era, tinha
consciência de toda a sua vida, dos comentários maldosos que faziam a seu
respeito, mas isto não tinha importância, era fria demais para isto, afinal era
uma mulher frigida, de poucos familiares.
Enquanto preparava o café, recordou do dia que começou
a manifestar o seu amor pelo fim do mundo.
― Tomara que o mundo acabe
logo! - vociferou Francimara enquanto procurava um prontuário.
― Pelo amor de Deus Mara,
não fala uma coisa dessa! - repreendeu Caroline.
― Eu já abusei este
serviço! Cansei de ficar procurando prontuário, dando informações, organizando
fila. EU CANSEI DE TUDO ISSO! TOMARA QUE O MUNDO ACABE LOGO!
A pobre quase santa
Caroline ficou abismada com a indignação que Mara tinha com a vida, era amarga,
fechada, pessimista, mas não reclamava do serviço, de seu único serviço. Por
vezes a escutou falar brutamente, mas falava – Graças a Deus tenho este serviço
para pagar minhas contas. Mas esta revolta parecia muito sincera, para ser
ignorada. O eco da voz de Mara pareceu soletrar em cada setor da Unidade de
Saúde. Em minutos ela era o comentário da vez.
E pela primeira vez, sentiu
prazer em sua voz, no que dissera, visto todos atentarem. Sentiu um poder
emergir daquelas palavras, alegrou-se e pode sentir o bálsamo em sua alma.
― Ela está terrível!
Ninguém suporta esta mulher! Quem é amarga é ela! Era só no que falavam por
todos os setores. Ocorreu de pacientes ficarem atentos à conversa, querendo
saber quem é a mulher que quer que o mundo acabe. E quando descobriam cada um
tinha uma história para contar. Não tardou a conversa chegou na diretoria, e de imediato ela foi chamada para
comparecer à “sala fria”, nome dado ao clima muito frio e tenso da diretoria
executiva. Na verdade, o diretor não ousou citar o fim de mundo como assunto, mas
indiretamente ressaltou que ela no ano seguinte continuaria sendo a atendente
do Dr. Jean Félix, apenas para vê a reação dela, que na ocasião, reagiu
friamente com um sorrisinho que nunca havia dado.
―Sim
senhor. - Foi apenas o que disse - E
saiu satisfeita em pensar no fim do mundo. Mara esperou até o último segundo para
o suposto fim do mundo...
No dia seguinte a caminho
do trabalho, começou a pensar no que fez no dia anterior. Era aproximadamente
7:35 minutos do dia 22 de dezembro de 2012, e enquanto caminhava pensou no
desconto que certamente fariam do seu salário, afinal, não tinha ido trabalhar. E ao chegar, todos os olhares estavam voltados para
ela, atônitos, uns querendo ri, outros mais discretos, porém, ninguém ousava
citar o fim do mundo. E tão pouco ela preocupava-se com a vergonha ou a
humilhação pública, sua única real preocupação era o desconto devido à falta. A
opinião dos outros não era importante, e para ser sincera consigo, estava frustrada,
mas muito feliz de ter sentido mesmo por tão pouco tempo algo que realmente a
motivara a viver.
Enfim, de volta
ao trabalho. Nem mesmo sua amiga atreveu-se a perguntar o porquê de faltar ao
trabalho, pois tinha certeza que nada de importante ela fizera, e continuava
exatamente como antes do fim do mundo, amarga e sem mudanças reais, cumprindo
suas mesmas obrigações e sem nenhum afeto.
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